6/2/2009
Anna Freud, moderna e homoafetiva, foi pioneira da psicanálise infantil
Por Thereza Pires
Caçula-discípula e, para usar uma palavra moderna, cuidadora de Freud durante a doença malvada até 1939, quando o chamado Pai da Psicanálise sucumbiu aos devastadores efeitos do câncer de mandíbula, Anna Freud, a pioneira da psicanálise infantil, não deixou grandes traços comprovados de sua sexualidade. Mas as amizades especiais que teve com Lou Andréas-Salomé e, mais tarde, com Dorothy Burlingham são indícios seguros de que ela não agia conforme os parâmetros tradicionais de uma senhora hétero.
Diabo NegroNascida em Viena em 3 de dezembro de 1895, sexta filha de Sigmund e Martha, nunca foi uma criança convencional. Vivendo sempre com a família na cidade natal, no apartamento da Bergstrasse 19, era o "schwarzer Teufel" -diabo negro- apelido dado pelo pai ao perceber a desatenção nos estudos e confirmar sua "Unartigkeit", ou malcriação.
Deixem-me dar aqui uma de filha, mãe, avó e ser humano: a sexta filha nascida no momento em que um pai está chegando ao auge da carreira e desejava um varão, recebe a atencão possível, não a desejada. Foi com um telegrama lacônico que Dr. Freud informou o nascimento a Wilhelm Fliess, amigo íntimo e também médico com o qual se correspondia constantemente. E ser comparada a um personagem de Halloween não chega a ser elogio.
Anna cresceu à sombra da irmã Sophie, dois anos e meio mais velha, a beleza da família que ora adorava, ora odiava e procurou desenvolver desde muito cedo um trabalho complexo no sentido de ser conhecida como a irmã inteligente da charmosa Sophie.
Enquanto todas as moças do círculo social da família eram mandadas estudar o suficiente para se tornarem esposas e mães, Anna foi enviada a uma escola especializada em pedagogia. Mais tarde tornou-se professora - o tradicional papel que as moças das famílias modernas de Viena exerciam.
Mestra e colegaComeçou a trabalhar aos 18 anos e ensinou por nove anos no Cottage Lyceum, onde havia estudado e porque, na opinião da diretoria da escola, tinha um talento especial para o magistério. Mas o chamamento da psicanálise era mais profundo e, incerta a respeito do futuro profissional no colégio e circulando entre a clientela do pai, começou a estudar com ele. Talvez pudesse juntar as duas vertentes: ensinar atenta às necessidades emocionais das crianças, especialmente as que tinham tido experiências traumáticas. E Anna Freud se tornou uma psicanalista especiallizada na área infantil.
Os biógrafos acham que ao mesmo tempo em que se mantinha ligada a Freud, exprimia seu senso de independência.A diabinha negra foi a única dos filhos do pai que se tornou psicanalista.
Em 1922, Anna publicou sua primeira tese: "Lutando contra fantasias e sonhos diários", sobre suas experiências masturbatórias. A partir daí passou a ser levada a sério pela comunidade acadêmica que a cercava, assumindo o cargo de Secretária do Instituto de Formação Psicanalítica de Viena. Foi quando começou a clinicar.
Os biógrafos de Anna Freud são unânimes em frisar a intensa ligação pai-filha, assim como o desejo de manter uma distância regulamentar da poderosa influência.
Terapeuta Por volta de 1925, Dorothy Tiffany Burlingham, filha do mecenas nova-iorquino Louis Comfort Tiffany e casada com um cirurgião atingido por uma psicose maníaco-depressiva internado várias vezes, levou o marido até Viena, na esperança de um bom tratamento. Ali, descobriu o universo da psicanálise. Tornou-se companheira de vida e de trabalho de Anna e passou a morar com os Freud no mesmo apartamento da Berggasse 19. As duas desenvolveram juntas terapias destinadas às crianças e continuaram a relação pelo resto de suas vidas.
O primeiro livro de Anna foi "O Tratamento Psicanalítico de Crianças" (1927). Em 1936 ,foi publicado "O Ego e os Mecanismos de Defesa", que seria o mais conhecido de seus escritos. "Infância Normal e Patológica" veio em 1965. "Os escritos de Anna Freud" (1968-1983) é uma coletânea de 8 volumes.
A vida seguia em Viena, até que em 1938 foram todos obrigados a deixar o lar e rumar para Londres, logo que a Áustria foi anexada à Alemanha Nazista. Para a perigosa jornada, contaram com a ajuda de Ernest Jones e da Princesa Marie Bonaparte.
PioneiraApós a morte de Freud, em 1939, Anna e Dorothy Burlingham fundaram em Londres a Hampstead Nurseries, casa para abrigar crianças tiradas de seus lares durante a Segunda Guerra. As duas mulheres dedicaram as vidas e carreiras a melhorar a qualidade da vida emocional das crianças, promovendo as teorias freudianas e defendendo-as dos críticos ferozes.
Dorothy Burlingham morreu em 1979 e a companheira teve dificuldade em suportar a ausência. Após sofrer um derrame em março de 1982, Anna Freud morreu em 9 de outubro do mesmo ano.
A clínica passou a se chamar "The Anna Freud Center" e a residência de Maresfield Gardens, de acordo com sua vontade, se tornou o Museu Freud em 1986.
Os conflitos entre as teorias de Melanie Klein e Anna Freud levaram a British Psychoanalytical Society a criar duas correntes de pensamento paralelas, para evitar dissidências ainda maiores entre os membros da instituicão.
Os mecanismos de defesa
Importantes para nosso desenvolvimento emocional, uma vez que são ações que cuidam da integridade do Ego quando não conseguimos lidar com situações que consideramos ameaçadoras. Atuam num nível subconsciente ou inconsciente e são a solução que encontramos ao nível da consciência para resolver as angústias. Os mecanismos de defesa mais importante são:
Negação: O paciente não percebe o que acontece ou percebe e foge da realidade. Por exemplo, ao receber um diagnósico de doença séria.
Racionalização: Aqui a inteligência é usada para avalizar a "desculpa" que encontramos para lidar com a angústia.
Intelectualização: O paciente tudo sabe, leu tudo a respeito de suas neuras, sempre acompanha uma novidade surgida sobre o assunto.
Projeção: Que coloca nos outros o cerne de seus conflitos (como os homofóbicos, que possuem características homossexuais, as percebem, mas não as aceitam).
Sublimação: Desvio de ideias perturbadoras em direção a uma "via" aceitável para mascarar o que causa a repressão.
Introjeção: Procedimento um tanto oposto à projeção, porque tudo que agrada é introjetado.
Identificação: O indivíduo assimila um aspecto ou uma característica de outro e se transforma, total ou parcialmente, no outro. Pensei no personagem Dâmaso Salcede, de "Os Maias".
Formação Reativa: Quando o procedimento e os sentimentos externados são opostos aos verdadeiros impulsos, se os julgamos inconfessáveis.
Isolamento: Interrupção de contato, e para usar uma definição técnica, "ruptura das conexões associativas de um pensamento ou de uma ação".
Anulação: Ação que desfaz o dano que o paciente imagina que pode ser causado pelos seus mais profundos desejos.
Deslocamento: A famosa imagem de se aborrecer no trabalho e chutar o cachorro ao chegar em casa pela frustração não-resolvida.
Idealização: Atribuir a uma pessoa qualidades nem sempre existentes que a tornariam um ser especial.
Conversão: Resolver um conflito interior por meio de somatização.
Regressão: Voltar a um nível anterior de desenvolvimento quando a frustração devolve a pessoa a etapas já ultrapassadas.
Repressão: Esquecer ou recalcar um sentimento ou desejo inorportuno.
Substituição: O inconsciente encontra substituto para satisfazer, no imaginário, um desejo.
Fantasia: Situação mental que substitui um desejo que não pode se satifeito no real.Exemplo clássico a fantasia durante o ato sexual,usando outros parceiros imaginários.
Compensação: Quando uma "deficiência" é compensada por outro aspecto da personalidade passa a ser considerado um trunfo.
Expiação: É um processo psíquico em que o paciente precisa "expiar o erro" e quer "pagar pelo seu erro" imediatamente.
Resistência: Resistência ao trabalho terapêutico, onde o paciente não permite que venham à tona angústias esquecidas.
Transferência: Repetição, no momento presente, de atitudes emocionais da infância do paciente, em relação aos pais ou pessoas que o rodeavam.
Contratransferência: Resposta do terapeuta à transferência do paciente ou a atitude inconsciente do terapeuta perante o paciente.
Recalque: Aparente corte de sentimentos e desejos que continuam presentes na vida psíquica do paciente.
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Agradeço ao Dr. David Rajz, psiquiatra radicado aqui no Rio e amigo de muitos anos, que acompanhou a elaboração desse parágrafo e me ajudou a repassar o seu conteúdo.
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Vale lembrar que os mecanismos de defesa quando expostos ou percebidos devem ser acolhidos como coadjuvantes do tratamento, não olhados de forma negativa. São eles que "temperam" nossa sanidade. Sem um recalquezinho aqui, uma transferênciazinha ali, uma racionalizaçãozinha acolá, seríamos todos e, em especial as crianças, irremediavelmente neurotizados.